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Morre-se de vêr a nossa cara no nosso espelho: a gárgula a arrancar-se à biografia do corpo e trazendo na hipérbole do horror o nosso sangue, o sexo, os pulmões, as tripas, o coração;
ligando a noite ao dia, o oculto ao revelado, o pressentimento ao acontecimento,
- tudo no mundo, na história.
(herberto hélder)
A imagem que vem é revelação, apocalipse, catástrofe, julgamento. Se a Unidade é máscara ela procura estilhaçar-se violentamente para regressar à violência genésica.
Hoje a representação sente-se atraída pelo vácuo ou pelo horror ao vácuo. Queima-se no mostrar algo sintético e brutal que não se compreende.
Regressemos ao actor. Ao actor depois do espelho. Actor que é «o talento da transformação» (Herberto). O actor situa o espaço, o palco. Exibe-se nessa unidade reduzida. O seu exibicionismo transforma a exiguidade do espaço num espaço fabuloso. O actor domestica as expectativas dos espectadores.
É Orfeu unificando pela música. É a proletarização do espectador. O espectador é uma massa. É o povo unido na não-intencionalidade. É a massificação como hipnotismo.
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A diversificação e o progresso da mimesis sabem à partida que é impossivel igualar a realidade. Contrapõem-lhe um Outro, um seu rival, um Duplo. A arte passa a rivalizar e a servir simultaneamente Deus. È filha de um tempo profano, de um tempo excluído.
«Há dois impulsos que duas formas procuram apresentar e representar:
a) Levar a linguagem à carnificina, liquidar-lhe as referências à realidade, acabar com ela - e repor então o silêncio.
b) Fingir escolarmente que não aconteceu nada - e escrever poemas cheios de honestidades várias e pequenas digitações gramaticais com piscadelas de olho ao real quatidiano. » (Herberto Hélder)
A obra é uma sombra, produzida, ou reproduzida, para perpétuar a singularidade de algo que vai morrer, que se vai ausentar do espaço definitivamente. A obra é o medo e o espelho das metamorfoses. A obra é a retracção da entropia, negação do que não pode ser negado.
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