do neo-canibalismo ao tretoterismo, o caótico corpus do movimento homeostético, suas tricas, sequelas, etc.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

o neo-canibalismo


com o ingresso escolar, em Novembro de 81, na ESBAL a vontade de fazer barulho levou à constituição de um núcleo neo-canibal, com o M. Vieira, o M. Guerra, o P. Portugal e outros. A proclamação neo-canibal é o manifesto para uma «crise» e o síntoma de um apetite.







PROCLAMAÇÃO NEO-CANIBAL


A Arte DESTINA-SE aos Caçadores de CARNE HUMANA
é
um estado frenético de cativação

“Roer um osso se possível
é o sonho português da sobrevida” (jorge de sena)

Comer (de preferência carne humana)
é o fundamento de qualquer possibilidade.
Recusando a autofagia
(a que é que nos saberia aquilo a que já sabemos)
propomos a voracidade amorosa
porque o homem ama
antes de tudo o mais
O SEU SEMELHANTE

Comer, Errar, Defecar
a Aurea Desordem
que se une à ORDEM SIMPÁTICA

A Criação pressupõe
ou
um inferno bucólico
ou
um paraíso insustentável

Partimos de uma situação sociológica magnífica:
1. não-dinheiro. Somos um país genéricamente pobre sem ser muito pobrezinho. Somos os arredores dos ricos e pouco mais. Somos tratados com o devido desprezo, sem ressentimentos, por aqueles que detêm o capital. O futuro não se antevê glorioso.
2. consumo de arte (importação). Importamos o que podemos mal e exportamos nada de nada. À falta de mercado ou instituições com visão (porque as há com capacidade) importamos os modelos com pouquíssima digestão. Participamos na legitimação dos imperialismos culturais que acompanham o colonialismo económico. O colonialismo estatal acabou, com òbvias vantagens para os ex-colonialistas que continuam os seus negócios sem o inconveniente de lidar com as massas.
3. amadorismo generalizado. O Amor á Arte é muito lindo, mas não compensa. É o romantismo da produtividade, fazendo render o peixe dos poucos momentos. Por isso fomos um país de poetas a escrever poemas em noites de insónia, em fins de semana, e à primeira. A Arte a sério exige uma disciplina constante, uma atenção preocupada e alguma sorte. E como a sorte é ocasional há que dedicar-lhe todo o tempo.
4. baixo nível de produção. Produz-se pouco porque somos moleques, meridionais. Mas os gregos e os italianos do Renascimento também o foram. Logo não há desculpa. O baixo nível de produtividade deriva de uma falta de entusiasmo de que o Fado e a Saudade são os sintomas mais very tipical. O òcio faz bem e é pai de muita coisa, mas não o confundamos com inércia.
5. dificuldade em admitir influências. A originalidade só existe na cabecinha de gente vulgar. A originalidade só se torna original quando digeridas as influências. Para que isso acontece tem que se estar aberto às ditas cujas. Finalmente à que ter coragem para a pouco e pouco se ir desembaraçando nelas. Em qualquer inovador não faltam as influências.

Faça-se precisamente o contrário. Cacemos. Deixemos que as impossibilidades económicas aconteçam astúciosamente. Que o acaso não seja deixado ao acaso. Que as cabeças se aproximem, se consubstanciem. Sem esclarecimento não há espaço para a inocência.
O neo-canibalismo propõe uma história antes da história, uma arte que dispense a industria. O trabalho hiper-culto para as massas. Sem mêdo de egocentrismos ou insolências! ¾ e porque não?


Fevereiro de 1982

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