do neo-canibalismo ao tretoterismo, o caótico corpus do movimento homeostético, suas tricas, sequelas, etc.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

excertos de um diário neo-canibal



O CIO DAS ARTES






(slogans)

Para uma Estética não-eclética.
De uma elite para uma elite.
Das Massas para as Massas.
Artistas de todo o Mundo
Desuni-vos!

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19/1/1982

Esta viscosidade que alimenta as gargalhadas.


21/1/1982

Como me parecem estúpidos Rimbaud e Jung.
Diz o primeiro na famosa carta do Vidente: “ se o que traz do fundo tem forma dá-lhe forma; se é informe dá o informe.” Simplifica as coisas chamando-lhe forma ou informe e há uma mesquinha insistência no fundo. Todo o lugar é intermédio e é uma pinça num interminável intermédio. Rimbaud começa a ser um psicologista a rodear-se de luxos. É jovem mas vai deixar de o ser. Depois há um momento em que tudo acaba, nem forma nem informe. Ponto final.
As coisas têm forma ou não dependendo das redes com que se pesca. Mas o que estaria nessa suposta profundidade não tem forma ou informalidade.
Diz o segundo: “o Simbolo não é abstracto nem concreto, nem racional nem irracional”, e está lançado o pânico e a confusão. Convém esta pose de místico de segundo grau, lá para as bandas do Aeropagita. Seria mais esclarecedor dizer “o simbolo é sim senhor, irracional tal e qual os totalitaristas gostam dele, e racional para os que sabem do que se trata, e abstracto mais concreto, e muito mais, é só escolher”. Fugir com o rabo à seringa é o negócio destes senhores.
Mas Jung tem sobre Rimbaud a vantagem de ser um personagem de banda desenhada.




23/1/1983

A cultura expande-se muito por cima das suas entranhas.
As suas façanhas algo mórbidas explodem nas zonas mais altas do simbólico.
Adivinha-se uma epopeia que volta a recorrer ao antropomorfismo como ponto de fuga.
Vamos finalmente ter uma versão retórica do conceito. Retórica como retro, como quem quer dispensar o conceito. Há uma crueldade no ar que corresponde à iminência do fim do mundo. Mas nós já passamos essa etapa.
Cavam-se fossos entre a crítica. A vanguarda para continuar à la page protesta contra a vanguarda que acabou de reivindicar para si um estatuto imortal, a la Trotsky. Quer vender os seus direitos. Nega-se dialeticamente, porque para continuar a ser tem que se negar. Da contradicção nasce o comércio, e a prostituição ao mercado. Esse mercado é um circo suficentemente cómico e adorávelmente patético.
Cristo que o diga.
A nova crítica, hipócrita como a anterior, e como ela necessária para os artistas encontrarem um bode espiatório para a mediocridade, quer ser mais natural e sã. Nada de estereotipos! Os modelos são os velhos bons Oscar Wilde e Baudelaire. Só que estes tinham a vantagem de ainda serem artistas.
A nova critica prefere a sua sóbria subjectividade através de meia dúzia de aforismos ou citações mais as estafadas descrições do objecto.
Como todo aquele que se agarra ao poder tem que ser conforme com algumas vozes de algumas opiniões dominantes. Actua como um filtro entre esse rumor (essa alcoviteirisse entre artistas) e o público vagamente ignorante no qual podemos incluir os coleccionadores que carinhosamente gastam o seu dinheiro, como outros o fazem com amantes, moradias ou selos. Entre esta gente são os mais admiráveis porque enquanto os outros lucram cinícamente estes sabem perder o dinheiro com generosidade.
A atmosfera “minimalista” dos anos 60/70 passa a bola à incongruêncial “maximal”. Quando me refiro a minimalismo não se assustem, falo apenas de uma atmosfera pobre, analítica, que não quer misturar as coisas, que tende para a imaterialização. A maximalização não é nenhum fenómeno mexicano, embora possa ter algo em comum com o México. É uma alegoria para o futuro. Ou pelo menos para o futuro imediato. Junta o inutil com o desagradável. O regresso à bem amada pintura é a ponta do iceberg do regresso de tudo a tudo. O conforto do eterno retorno sentado num sofá. Assim o artista multiplica-se a si mesmo em progressão aritmética e desistiu do bom-gosto à primeira vista. Tem mesmo umas tendência duvidosa para o “camp”,para achar tudo giro e com as aspas da nostalgia. Participamos criticamente nesta euforia zoológica. Sem medo, sem vergonha. Como pode a consciencia de um artista ex-conceptual ser feliz por momentos? Será que ele terá a coragem de voltar a largar os pinceis e as tintas e envergar a farda de militante?



Antes de mais nada: ESTES ANOS 80 SÃO OS ANOS DA GRANDE MASTURBAÇÃO RETÓRICA!
A poliandria e a poligamia associam-se numa desordem amorosa suave, num libertinismo da conveniência que é perfeitamente conciliável com a tendência para a democratização do òcio. As noites solitárias da classe média convidam ao desafogo chique nos copos, muito diferente da taberna com o seu vinho de má qualidade e as suas putas baratas. Aqui já não há putas. A foda é de borla para qualquer sexo e a iniciativa é livre e recusavel. A má qualidade persiste no Whisky e no Gin com direito a ressacas monumentais.
A memória e o passadismo ensombram este carnaval com um olhar nostálgico. A carne não redime a carne. A melancolia obriga a fechar os olhos e sentir os pontapés que a vida dá. Mas a verdadeira memória não é este pastiche de memórias. A verdadeira memória começa onde o pastiche se desfaz.
Apesar de tudo, que venha o que está para vir. A festa dura enquanto durar!


9/2/1982

A inexperiência move-se sobre um espelho sem imagem. Regista a sua inexactidão, a sua falta de tacto, a sua coragem de avançar para zonas dúbias.
As fronteiras afastam-nos como espectros. São o território a encolher.
Há o nómada e o colonialista. O colonialista transporta o seu saber e funda. O nómada não dá nem recebe. Mantemo-nos neste modelo misto. Somos pioneiros com curiosidade antropológico. O nosso canibalismo está na assimilação de toda a inocência. Como na imolação das vítimas, a sua inocência torna-se a nossa inocência.
Mas continua a haver, depois de tantas aventuras uma incerteza e impotência que mantêm o incogniscível na ordem do dia.

Mergulha-se ou não nas correntes do mito? O mito é um mito e muito provávelmente não trás nada de bom senão a sua capacidade de deformar acontecimentos, de produzir variações sobre temas muito simples. A efabulação simpática! sim senhor!

Morte da Dúvida? Isto é, ignorar o Mal, aquele que assalta Deus e Job em busca de uma pradaria para as suas experiência behavioristas?

Narciso é o cepticismo sobre aquilo que possa ser. Não acredita que seja possivel tanta beleza. Repete o momento especular pelo prazer infantil de repetir. Prefigura a mentira como indagação filosófica. Inventa a Estética, porque ao debruçar-se sobre a Beleza, na suposição de que ela é perfeita, torna analitíco cada momento de contemplação. A imagem desaparece. A contemplação contempla-se.
Em suma, a Beleza não existe como verdade, mas como um investimento de um desejo carnívoro, de uma assimilação total que passa por uma futura aniquilação do desejado. A inscrição desse objecto de desejo na memória imediata não é mais que um apetite que se quer perpetuar. Temos mais olhos que barriga!

A velocidade das mutações impossibilita o conceito no seu explendor platónico. A instabilidade conceptual reduz a cacos o Demiurgo impulsionado pela perfeiçãpo matemática. A mesa para um àrabe é conceptualmente distinta da mesma para um ocidental. As investigações de um Kosuth poderiam ter experimentado a aventura interlinguística.
A incapacidade de nos mantermos num plano conceptual prévio traduz-se na contaminação de uma acção pelos impervistos. À passagem da ideia ao objecto opomos a adaptação ad hoc de tudo o que nos passe pela cabeça, tronco e membros. O acto criativo passa por esse abandono à experiência sem um teorema a policiar. O acto criativo não quer provar nem demonstrar nada, e muito menos redimir a humanidade dos seus pecados. Pode contribuir de uma forma modesta e indirecta para a felicidade de muitos. Já não é mau!

A cabeça. Ou a fascinação do circular.




14/2/1982

Assim, a superfície converte-se num sem-abrigo.
“Os anos 80 são os anos da grande masturbação retórica”
A citação torna-se a estrela principal. A citação recicla-se. A citação esfuma-se. Pelo caminho piscou o olho a muita gente. É pá, não sei se estás a ver, meu! Os entendidos entenderam e os não-entendidos entenderam que não entenderam. Há ainda os que tentam entender perguntando aos mais esclarecidos. A acumulação de citações dá um ar respeitável. O gajo é culto, sabe bué da coisas. Mas também dá um ar de desprezo, porque os que ficam de fora ficam precisamente de fora, e esse não é um lugar aceitável. É a diferença entre o Sagrado e o Profano. Quem fica de fora, muito provávelmente, preferirá outros templos com outros deuses.
Como lidar com a citação sem provocar este mal-estar? Talvez citar, respondendo a uma necessidade interior, dissimulando qualquer autoridade no assunto. Além disso a citação é um meio.
O caso mais tipíco de acumulação de citações é o Waste Land com as suas notas de rodapé. As explicações póstumas dão legitimidade ao que pareceria um absurdo. Mas a mistificação nasce dessa legitimidade forjada. Prefiro os dadaístas com a sua desmistificação, com o poema que é tirado da cartola, como num golpe de ilusionismo. É a legitimidade de pernas para o ar. O acaso prova as suas razões desconcertantes!

Aos sentimentos apocalipticos do 666 respondemos, como S.Paulo, com a leitura “per speculum”. O 999 corresponderá à desinibição de qualquer terror fin-de-siecle. O nove corresponde por homofonia a novidade. Se há algo a revelar que esse algo se vá revelando. Não é necessário apressar as coisas com ultimatuns ou apocalipses. O apocalipse é a versão publicitária e para consumo das massas.

Entretanto o acto sexual transformou-se num bem de consumo burguês. O que era terrivel e escondido atrás das saias e combinações da consciencia dos nossos recentes antepassados, sai hoje à luz do dia na versão cosmética, com desodorizantes ou perfumes e o rabo bem lavado. Corpos magros e enigmáticos. A esfinge higienista interroga os édipos no supermercado.


19/2/1982

A apropriação da linguagem considera a linguagem no seu estado híbrido, metamórfico. A linguagem não aspira ao silêncio, ao museu, à paz. A linguagem (seja qual for) renova-se a cada performance, habitando e transformando corpos.




27/2/1982

Cabe-me aqui revelar o épico da sedução. A sedução que busca um objecto indeterminado, que contamina espermáticamente. Não se exprime por uma erecção, mas por uma agitação inconsequente, exibicionista.
A polarização não tem que ser maniqueísta. A abertura sexual é multipla, criando as suas coutadas.
Um epigrama que esconde a sua violência na precisão da frase.
A inteligência ultrapassa-se a si mesmo através de “bluffs” a que chamamos intuição. Consideramos a intuição como um passo distinto. Ela junta alguns dados e tem pressa. Ela engana as nossas certezas e começa a juntar provas. Mas inicialmente é um passo no vazio, é a tartaruga a fazer batota com Aquiles.
Redução das poses. Isto é, fim do momento hierático pai dos totalitarismos. Falta de estilo. Acessibilidade carnavalesca.


5/3/1982

O indemonstrável acaso, sintoma das imprevisiveis evidências.


11/3/1982

Uma orientação exclusivamente pragmática induz frequentemente a erros. Não tem em conta os desejos do improvável. Assim, a orientação das nossas necessidades devém paradigmática. Movimenta-se em todas as direcções em que a transformação pode ocorrer.
O amadurecimento faz-se do erro para a plausibilidade, através de erros sucessivos que acabam por tornar-se aceitáveis.
O Sêr é negociável nos intersticios.



14/3/1982

O que suporta não é físico nem adquire um contexto.
Nem o contexto adquire algo que o suporte: tudo se passa ao nível da contaminação.
Um caudal de sopros na equidistância da anamorfose.
O luxo da ilusão.


18/3/1982

O neo-canibalismo provoca o saneamento pelo primordial!
Mas não se fica nele. A limpeza pelo elementar não é um recuo aos arcaísmos e primitivismos. É limpeza, arrumação da casa, para que de seguida esta se possa desarrumar. Os recuos estratégicos da arte impedem que a degenerescência se acentue, que o decadentismo se instale com a sua visão tipica do “nada de novo”.


22/3/1982

A literatura regressa à arte. Desta vez sem submissão ilustrativa. Mais como um clima, numa intertextualidade interdisciplinar. O palavrão assusta. A clausura da arte em si mesma contribuí para um narcisismo estéril e para um ambiente autofágico. Se lhe tirarmos os parenteses podemos pensar a arte através de privacidades fortuitas onde ela se encontra com o mundo e os modos (in)disciplinados de o ler (as ciências,a literatura,etc.)



17/4/1982

O enigma é um cão.
Isto é, é-lhe atribuido um cinismo essencial por trás do secretismo aparente.
Ao ladrar julga-se oracular.

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