do neo-canibalismo ao tretoterismo, o caótico corpus do movimento homeostético, suas tricas, sequelas, etc.

domingo, 12 de agosto de 2007

C. & E. (introdução e variante)




Creio que falta outra parte da introdução - por isso reproduzimos abaixo uma variante tardia ampliada



DA REPRESENTAÇÃO

(maio-junho 1983)



The road of excess leads to
the palace of wisdom (Blake)




Introduzir é perverter – é um excesso. Uma luta. Metodológica? Pré-metodológica? – o que se quizer. Defenir um assunto, alinhavar opções, olear a máquina: preparar armas. Ambição? Não: uma rede de subjectividades – corpo e não-corpo. E o seu envolvimento. Emergindo como um campo de investigações. Ou de meditações.

Duvidar das dúvidas, desde que a duvida se encrespou num limite. Estar para lá das dúvidas. Aventura? A identidade dilui-se na paródia da loucura. Torna-se imprescindível beber nas margens do não-identico, abolindo as fronteiras ou atravessando-as em imaginoso contrabando.

Tentaremos recriar uma ética das coisas. Mas uma ética como acção e não como estrita enunciação, onde o não-optimo e o neutro têm cidadania. Uma ética só pode partir do que essencialmente a determina – o corpo e o envolvimento em acção. Uma ética só faz sentido enquanto algo vivo, realizado, e não como algália de intenções.

O corpo, ao justificar as coisas autojustifica-se. Mas o corpo só se dá através da interrepresentatividade. Toda a comunicação é um choque ou empatia de representações.

É o progresso da mimesis que nos interessa. O envolvimento abre-se como narrativa, como exodo mitologico. A dádiva é catástrofe que reverte como entusiasmo. Há também uma mitologia desmitologizante a que não somos insensíveis.

Depois vem o essencial que não está expresso, mas que também não é inexprimivel, uma vez que é através de expressões e representações que o desfrutamos.

Este será o texto de uma montagem quase aleatória que busca a intensidade lirica da festa – entrudo minimizado numa vrota de transgressões, de pluralização da consciência, de maximização de competências.

Uma sintese que se quer total, caótica, excremental – uma opera na qual somos levados a participar. Nós e os que vierem.




variante

1


O Corpo como prolongamento simbólico do Sujeito, mas também como resistência à simbolicidade. O Corpo descobre-se nas interjeições da representação. O Ornamento problematizado como uma espécie de Festa Semiológica, de exuberância florida, como excesso libertário e desejo de revolução. Refrigerados os ímpetos revolucionários, ou deslocados para uma mata de conceitos mais complexa, vasta e pessoal, mantém-se uma lógica contrainductiva de raíz dadaísta. O dadaísmo socumbiu aos encantos da dialética secundado por um nihilismo visceral. Hoje essa dialética, encaminhada pelo demónio da negação, reduziu quer o carácter afirmativo quer negativo de uma expressão autêntica. O valor simbólico, que assenta num maniqueísmo pré-establecido, desaparece dando lugar a enunciados alegóricos que embora veinculando certas forças e imagens simbólicas apresentam mais um estado de coisas do que a redução a certezas. Trata-se de uma descristalização e da valorização das matizes em deterimento das forças. O encanto das incertezas e o pitoresco das contradicções são criticáveis quando confrontados por teóricos adeptos da clareza e da radicalidade. Mas a exactidão reside aí, nesse entre, nesse quase, filho das jesuíticas duvidas metódicas, descendente do sujeito em crise.
O certo é que enquanto subsistirem conceitos ainda são possiveis a metamorfoses do sujeito, seja noutro sujeito, seja noutros sujeitos.


2


Há uma frase decisiva que faz mover este estudo: “o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria”. Do excesso entenda-se aqui o suplementar. Não quer isto dizer que para o santo chegar a santo tenha que percorrer as veredas do pecado. Pode acontecer, como em inúmeros casos do cristianismo primitivo. O excesso actua meteorológicamente, é o clima primitivo da exuberância capaz de gerar grandes agitações às quais sucedem acalmias. Ora a sabedoria só se adquire por um saber, por uma prova. A sabedoria é o oposto da abstinência. Pode ser uma dietética, mas sabe exactamente em que é que pode ser moderada. A sabedoria opõe-se quer à gula quer à ascese, e procura extrair o máximo possível de cada degustação. Ao desregramento exuberante sucede-se uma certa delicadeza, com as suas exuberâncias minimalistas.
O corpo está potencialmente disposto para todos os excessos. Quando nasce, a sua fragilidade e inabilidade reduzem a eficácia. A repressão traça um círculo que o protege de se aniquilar, e à sua sombra instala-se a identidade.

A representação é o esforço expressivo de duplicação do corpo. O corpo resiste sempre à duplicação. A representação torna-se autónoma relativamente ao corpo e chega a desejar actuar sobre ele. É esse o sentido da magia. A autonomia da representação é a hipótese de um feed-back que não está presente na natureza. Institui o sacrifício e a dádiva, isto é, motiva a troca e o conjunto de compensações a que a troca obriga. A dádiva prasenteira, ou a divida com restituição forjaram os mecanismos sociais. O toma lá dá cá governa também o comércio com o invisível. O favor, a protecção, a inveja são invocados, assim como a manutenção do estado de coisas. O prolongamento do corpo no seu duplo comercial deforma-o como instituição, fazendo coexistir diversos modos de subjugação e sujeição. A ideia de um corpo onde as acções são governadas pelo máximo de liberdade passa pela correspondência e autarquia das partes, assim como a autarquia desse corpo relativamente a outros corpos. A autarquia não exclui o desejo, mas não se deixa subjugar por ele, embora possa ser atraída por ele.

O corpo é também atraído pelo não-corpo, pela dissolução pura e pelo que o circunda. A sua autarquia não se contenta com o espaço que governa. O desejo de crescimento, de ingestão, de colonização, de propagação e domínio levam-no a incorporar elementos estranhos, a fazer crescer no seu organismo elementos com os quais se cruza ao mesmo tempo que faz surgir em si recusas perante a assimilação ou o cruzamento com o alíegena. A xenofobia orgânica e outras resistências ou dissidências internas surgem sempre que se procede a uma dilatação territorial ou de poder. Outra lei, semelhante à da matéria, é que os nucleos fortes atraíem os fracos como as estrelas os planetas. Por outro lado o crescimento contém em si os germes da desagregação, sobretudo se esse crescimento for muito rápido. A diluição da identidade arrisca-se à loucura. Mas a vizinhança da doença faz com que se ganhe anti-corpos. Creio que o fenómeno urbano e a mediatização planetária criaram uma espécie de heterogenidade inalianável dentro de cada corpo e de cada sociedade. Uma identidade estável está vedada e a autonomia desaparece. Assim cada corpo deseja conservadoramente regressar a uma inocência essêncial, como se existisse retorno onde não há principio. Além disso os elementos heterógeneos já criaram de tal forma ligações e modificaram de tal modo a imagem que de si tinha o corpo que este já não copnsegue viver sem os primeiros.

Poder-se-ia falar de dramatização, mas o drama desaparece com a multiplicação dos actores. O puro drama existia quando o simbólico se degladiava dialéticamente, no reencontro fatal do benigno e do maligno, do anónimo e do individual. Quando esses agentes se dessiminaram e se tornaram híbridos, quando a rivalidade vem de multiplos lados e não é frontal, quando o poder é a intersecção de jogos táticos que não coincidem, de linguagens que não se entendem, de ambiguidades que não são evidentes (ou de pluri-guidades) não há solução que aguente.

Numa unidade familiar composta por duas pessoas não há alianças possiveis, mas quando o número aumenta os interesses diversificam-se e são possiveis alianças insuspeitas. A reacção tipica perante a generalização do problemático é a tentativa de abandono: a demissão, a recusa, o protesto, o suicídio, todos fazem parte do complot nihilista. A assunção, a proposta, a resposta…

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