do neo-canibalismo ao tretoterismo, o caótico corpus do movimento homeostético, suas tricas, sequelas, etc.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

C. & E. (ornamento)


«as lovers will contrast their emotions in times of crises
so am I dealing with my environment»

Nunca deixamos a nossa vida.




Existem dois aspectos que roçam constantemente o conceito corpo e o conceito envolvimento: o gesto e o ornamento. Ambos ora se afastando, ora se aproximando. Se o gesto teve um papel priveligiado dentro do teatro do «modernismo», já o ornamento constitui uma espécie de tábu, por não tocar as àreas da funcionalidade. O ornamento foi esquecido e afastado para longe da civilização do trabalho e da acção, continuamente condenado pelos teóricos e assimilado frequentemente ao kitsch. O aspecto decorativo era encarado pela sua imediaticidade visual, pela sua concorrência para um objectivo, pela sua harmonia formal, pela sua agradabilidade aos olhos. Esqueceu-se a plaisanterie, a brincadeira luxuosa, e, fundamentalmente, a grande presença do envolvimento. A pattern painting constitui uma tentativa frustrada no sentido de fazer reviver tal envolvimento – mais globalizante do que se julga. O ornamento, no entanto, não pode viver uma aventura isolada do corpo, como mera continuidade em relação aos projectos minimais. Não basta escrever figura. Não basta ornamentar – é necessário, através desse acto lúdico, avançar para uma àrea em que um projecto de vivência esteja incluído.

O ornamento revolucionário. O ornamento de uma sociedade futura. O ornamento para o desconhecido.

A arte das sociedades ditas primitivas é prodiga nisso. O ornamento é o sinal da indissolubilidade entre corpo e envolvimento – é do domínio da «relação», da «abertura», da investigação progressiva do espaço. Neste tipo de investigações o ornamento é contraposto à logica da proporção (que implica unidades fechadas, íntimos, duplos, uma lógica ancorada na mortalidade) de que a tradição renascentista viveu e que se encontra em agonia.

A pattern viveu dissociada do envolvimento porque este envolvimento era agressivo. Há que fundar novos envolvimentos – regressar à matriz, utópicamente e romanticamente, viver a aventura de uma nova civilização.

A confusão (a realidade existente) entre efeitos, produção de efeitos e ornamento levou à ruptura com um público, deixando imensas lacunas por preencher. Este é arrastado por medias que o fascinam, mas que não compreende.



Ora o gesto, pai do arabesco, é a reacção irracional a situações de crise: o gesto aproxima pelo agir, correspondendo a uma necessidade afirmativa do sujeito, implantando a sua presença através de marcas ou rastos. O gesto é uma emergência narcísica que visa a liberdade, mesmo que se trate de uma aparente sublimação – expulsão de energias reprimidas com a passagem a um envolvimento maior, na qual a presença do sujeito se vai dilatando: presenca sexual e presença social. A presença politica e a religiosa, filhas da moral e do controle, só vêm mais tarde.

Com a dilatação já não há um imperativo egoísta porque a necessidade de marcação dissolve-se e abre-se na consciência de que tudo devem exterior, chegando a uma humanidade sem «rosto». Esta torna-se numa acção para o envolvimento, numa transformação do mundo.

A permanência do gesto nestas situações é moderada e menos violenta, pois já não serve a esconjuração imediata de espiritos, nem uma transcendência primária, mas é útil para a devir de uma sociedade menos injusta graças à prática de uma desconstrução permanente.

As consequências do alargamento do gesto levam a enfrentar as «grandes escalas». O gesto torna-se um hino planetário: paisagens flutuantes. Pode ser um motor do progresso da mimésis, mas nunca será o único motor desse progresso (o único que verdadeiramente interessa ao homem): torna reconhewcíveis os basic scribbles, desfigura os códigos para os transformar, mas não completa a operação. É um acto, ainda assim, irresponsável, infantil - «les enfants qui naissent ne conaissent rien de la vie, pas même la grandeur». Este ser-se infantil é como a espontaneidade das doutrinas taoístas, uma experiência mais do que um conhecimento, uma intuição desprovida de moral.

Mas, e insisto, é na vontade do gesto (por mais que este crie um ambiente ingénuo, festivo, irresponsável ou até egoísta) que deve radicar o motor de uma sociedade nova, entre o marasmo magnífico, explêndido, do devir louco das convenções.

Sem comentários: